Uso de celular e e-mail fora do horário de trabalho pode gerar hora extra.
Para especialistas, empresas devem definir regras para controlar jornada.
A Lei 12.551, sancionada em dezembro de 2011 pela presidente Dilma Rousseff, que dá os mesmos direitos trabalhistas previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), como hora extra, adicional noturno e assistência em caso de acidente de trabalho, para quem exerce trabalho remoto, ou seja, em casa ou à distância, usando computadores, telefones, celulares e smartphones, deixou lacunas em relação ao controle da jornada de trabalho. Para especialistas na área de direito trabalhista ouvidos pelo G1, para se evitar uma avalanche de ações na Justiça em relação ao pagamento de horas extras, o empregador precisa definir todas as regras em contrato, fornecer todo o equipamento necessário, com atenção às normas de saúde e segurança, e estabelecer formas de controle do trabalho.
“A empresa tem que oferecer todas as ferramentas necessárias para o trabalho, como computador, internet, telefone, material de escritório e, se for o caso, indenizar pelas despesas com o uso da residência para funcionamento do home office. Já o funcionário tem que cumprir a jornada e as tarefas normais de trabalho, como faria se estivesse na empresa”, diz a advogada trabalhista Maria Lúcia Benhame.
“A dúvida permanece quanto à forma de controle da jornada de trabalho, pois a legislação considera o tempo em que o empregado permanece à disposição do empregador, exercendo ou não efetiva prestação de serviços. Como lidar, por exemplo, com o trabalhador que durante algumas horas do dia exerce atividades particulares, preferindo cumprir suas tarefas à noite ou com aquele que tem por hábito adiantar tarefas no domingo?”, diz Fernando Borges Vieira, advogado do Manhães Moreira Advogados Associados.
“A empresa tem que oferecer todas as ferramentas necessárias para o trabalho, como computador, internet, telefone, material de escritório e, se for o caso, indenizar pelas despesas com o uso da residência para funcionamento do home office. Já o funcionário tem que cumprir a jornada e as tarefas normais de trabalho, como faria se estivesse na empresa”, diz a advogada trabalhista Maria Lúcia Benhame.
“A dúvida permanece quanto à forma de controle da jornada de trabalho, pois a legislação considera o tempo em que o empregado permanece à disposição do empregador, exercendo ou não efetiva prestação de serviços. Como lidar, por exemplo, com o trabalhador que durante algumas horas do dia exerce atividades particulares, preferindo cumprir suas tarefas à noite ou com aquele que tem por hábito adiantar tarefas no domingo?”, diz Fernando Borges Vieira, advogado do Manhães Moreira Advogados Associados.
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“O trabalho em home office se apresenta incompatível com o controle de jornada, devido à separação física e à dificuldade em se distinguir o que seriam horas de lazer e descanso e horas de trabalho. No entanto, se no contrato de trabalho escrito houver fixação de jornada de trabalho e a empresa fiscalizar através de e-mail, telefone ou sistema que permita ter a exatidão dos dias e horas trabalhados, haverá o direito a horas extras ou adicional noturno”, diz Daniela Ribeiro, sócia do escritório Trigueiro Fontes Advogados.Veja abaixo o tira-dúvidas com 10 perguntas e respostas com os três especialistas.
A alteração trazida pela lei trata-se apenas de um aprimoramento do artigo 6º da CLT? Esse artigo já não era aplicado antes?
Daniela Ribeiro: A atual alteração no texto do artigo 6º da CLT apenas formaliza um conceito que já vinha sendo aplicado pela jurisprudência. No âmbito judicial, os comandos do empregador por “meios telemáticos e informatizados”, ou seja, via e-mail, skipe, MSN, mensagens pelo celular, entre outros, para fins de prestação de contas, cobrança de resultados e orientações em geral, já vinham sendo considerados com o mesmo peso de um comando verbal, presencial. Prova disso é a constante utilização pelas partes, com aceitação dos juízes trabalhistas, de mensagens trocadas via e-mail, entre empregados e seus superiores hierárquicos, com a finalidade de comprovação da prática de assédio moral.
Fernando Borges Vieira: O artigo 6º da CLT sempre teve aplicação e se trata de um aprimoramento, introduzindo-se a expressão “à distância” e o parágrafo único, que antes não existia.
Maria Lúcia Benhame: Sim, é só um aprimoramento, pois antes o artigo já era aplicado. O sistema home office nada mais é do que o trabalho a domicílio, que antigamente contemplava mais tarefas manuais e hoje qualquer tipo de tarefa, com privilégio das desenvolvidas online.
Qual o resultado prático dessa lei?
Daniela Ribeiro: Não houve uma inovação significativa, mas a ratificação de um entendimento já adotado pela jurisprudência. De todo modo, é inegável que essa legitimação servirá para encerrar a discussão sobre o alcance e os efeitos das ordens enviadas ao empregado por tais meios de comunicação e a obrigação de cumprimento. Contudo, o maior problema com relação ao trabalho remoto não foi enfrentado: a fixação da jornada de trabalho, possibilidade de controle e pagamento de horas extras.
Fernando Borges Vieira: O resultado é a previsão do trabalho à distância, privilegiando-se as novas tecnologias, que possibilitam que o empregado exerça atividade onde estiver e a qualquer momento. Todas as atividades desenvolvidas pelo empregado com a utilização de recursos telemáticos e informatizados, a exemplo de smartphones e tablets, podem ser consideradas como tempo trabalhado.
Maria Lúcia Benhame: Praticamente nenhum, só o de deixar claro o que a jurisprudência já aplicava, que o home office contempla a subordinação e o controle de horário.
Na sua opinião, é necessário ter essa modalidade de trabalho assinalada no contrato de trabalho?
Daniela Ribeiro: É fundamental que conste expressamente no contrato de trabalho a possibilidade de adoção do sistema home office, inclusive, com descrição das regras que devem reger essa modalidade de trabalho, com delimitação do horário de trabalho - se for possível o controle - ou a estipulação de que a jornada é de livre escolha do empregado, além da responsabilidade quanto às despesas de implantação e manutenção do sistema.
Fernando Borges Vieira: Não há uma necessidade legal, mas convém prever essa forma de trabalho e estabelecer formas de controle, critérios e limites, além do reembolso de despesas com energia e acesso à internet, utilização e manutenção dos equipamentos.
Maria Lúcia Benhame: Sim, com regras bem claras, inclusive quanto ao fornecimento de ferramentas para o trabalho.
Na sua opinião, a empresa deverá fornecer todo o equipamento para o trabalho remoto?
Daniela Ribeiro: Estamos falando de ferramenta de trabalho e o empregado não deve arcar com nenhum custo. O empregador deve fornecer todo o equipamento necessário (computador, impressora, material de escritório) e o mobiliário deve ser ergonomicamente adequado em atenção às regras de saúde e segurança do trabalho.
Fernando Borges Vieira: Sim, tratando-se de trabalho exercido em favor do empregador, o fornecimento dos equipamentos de trabalho e a manutenção deverão ser de responsabilidade do empregador. A condição é favorável ao empregado, na medida em que não terá despesas com a aquisição e manutenção de equipamentos, e ao empregador, que poderá exercer controle sobre o uso de seus equipamentos e as atividades do empregado.
Maria Lúcia Benhame: É essencial que a empresa acesso a internet, linha telefônica fixa e/ou celular e outros meios necessários.
O empregador deve arcar com os gastos da internet, luz e manutenção de equipamentos na casa do empregado?
Daniela Ribeiro: Cabe à empresa a manutenção dos equipamentos utilizados no home office, contudo, o ideal é que exista previsão contratual de que os equipamentos sejam utilizados pelo empregado apenas para o trabalho, sem permissão para utilização no âmbito pessoal. Quanto às despesas com internet e luz, o ideal é o rateio de forma proporcional, já que não é possível medir exatamente o uso pessoal e o profissional do empregado. É aconselhável que o contrato de trabalho também preveja como será o rateio e a forma de custeio pela empresa (por pagamento direto ou reembolso) para dar segurança e evitar eventual classificação como salário indireto.
Fernando Borges Vieira: Sim, pois são gastos realizados em favor do empregador, os mesmos que ocorreriam em caso de a prestação de serviços ser realizada na sede da empresa.
Maria Lúcia Benhame: Sim, esses gastos devem ser mensurados e indenizados.
Caso o empregado opte por fazer o trabalho à noite, terá direito ao adicional noturno, mesmo tendo sido contratado para o período diurno?
Daniela Ribeiro: Se no contrato de trabalho houver fixação de jornada de trabalho e a empresa exercer fiscalização seja através de e-mail, telefone ou sistema que permita precisar com exatidão os dias e horas trabalhadas, o direito ao adicional noturno e/ou horas extras se impõe, mesmo não tendo sido pactuado. Por outro lado, se no contrato de trabalho firmado entre empregado e empregador houver a liberdade de horário de trabalho, sem qualquer fiscalização por parte da empresa, em tese, não há lugar para pagamento de adicional noturno ou horas extras.
A mera utilização dos meios telemáticos e informatizados de comunicação não significa, por si só, controle de jornada do empregador. Contudo, caso seja comprovada a existência de controle efetivo por intermédio desses equipamentos, é possível a condenação em adicional noturno e horas extras.
Fernando Borges Vieira: Sim, por isso, é muito importante estabelecer critérios e limites no contrato. Mas é possível que o empregado tenha de trabalhar logado a uma plataforma e seja impedido de exercer suas tarefas além da jornada padrão de trabalho. O empregador deve controlar a jornada do empregado, não possibilitando que as tarefas sejam realizadas fora do horário estipulado.
Maria Lúcia Benhame: O empregador não deve permitir acesso ao sistema à noite, caso contrário, o adicional será devido. Em caso de contrariar as regras contratuais, o empregado deverá ser advertido.
Como a empresa poderá controlar a jornada de trabalho e eventualmente comprová-la em uma reclamação trabalhista?
Daniela Ribeiro: Algumas das ferramentas de comunicação remota como e-mails e sistemas intranet podem controlar a jornada. Por exemplo, um software que permita extrair com exatidão os dias e horários de conexão do empregado, gerando relatórios detalhados, podem ser utilizados como prova. No entanto, existe uma certa fragilidade nesses controles diante da facilidade de manipulação do tempo no espaço digital.
Fernando Borges Vieira: O empregado deve trabalhar logado à sua plataforma, assim, a empresa verificar as atividades desenvolvidas. Será possível ainda saber o início e o final do tempo de trabalho. No entanto, o controle não é absoluto ou infalível. Por isso, é preciso cuidado na escolha do empregado apto a trabalhar em domicílio ou à distância.
Maria Lúcia Benhame: O controle pode ser feito por meio de “log in e log off” ou de cartões de ponto preenchidos à mão, mas é mais fácil em funções em que o trabalho é desenvolvido no próprio sistema da empresa. Assim, se o empregado estiver fora do sistema, não contará como horas trabalhadas.
Como a empresa poderá ter certeza de que a pessoa que está desempenhando as tarefas é de fato o empregado contratado?
Daniela Ribeiro: As ferramentas de comunicação remota apresentam sempre alguma vulnerabilidade, pois não há contato presencial, contudo, mecanismos de controle como senhas de acesso e utilização de webcam podem reforçar a segurança para garantir ao empregador que quem está desempenhando o trabalho é o seu empregado. É possível também colocar cláusula específica no contrato de trabalho prevendo a possibilidade de extinção contratual, até por justa causa do empregado, em caso de violação desse requisito.
Fernando Borges Vieira: A melhor ideia parece ser a identificação biométrica do empregado, sendo possível exigir sua identificação em determinada frequência durante a jornada. Contudo, mesmo que sejam adotadas formas de controle, o que vai imperar é a confiança, por isso, é preciso cuidado na escolha do empregado.
O uso de smartphone, rádio, celular corporativo e notebook fora da jornada de trabalho combinada conta como tempo trabalhado?
Daniela Ribeiro: O simples fato de o empregado fazer uso desses equipamentos, fora do horário de trabalho, não implica, necessariamente, em horas extras, pois ele pode estar em qualquer lugar e não a serviço do empregador ou aguardando ser convocado. Em todo caso, a frequência e o contexto das mensagens devem ser analisados. Se é uma situação muito rotineira o empregado recebe e-mails fora do expediente contratado, com conteúdo que indica que a resposta deveria necessariamente ocorrer naquele momento, pode-se concluir que ele estava trabalhando. De outro modo, se ele respondeu a mensagem fora do expediente, mas não precisava fazê-lo, não se entende como tempo à disposição da empresa. Isso porque é fácil manipular o tempo no espaço digital, "criando-se" trabalho fora do expediente normal mediante, por exemplo, o envio de e-mails tarde da noite e em finais de semana, de forma desnecessária e com a intenção exclusiva de configurar trabalho em hora extra.
Os juízes costumam adotar uma média horária, por dia, se a quantidade de mensagens eletrônicas trocadas fora da jornada combinada é habitual. Outra opção seria estabelecer um adicional fixo para remunerar eventuais horas extras ao empregado.
Fernando Borges Vieira: É preciso saber se o empregador exigiu, de fato, o desenvolvimento de alguma tarefa e se o empregado teve mesmo de desenvolver atividade fora de sua jornada. Por exemplo: se o empregador enviar um e-mail a determinado empregado para que ele não se esqueça da reunião do dia seguinte, não me parece ser razoável pensar em hora extra; contudo, se o empregador envia um e-mail, além do horário de trabalho, para que o empregado prepare uma apresentação para a reunião do dia seguinte, me parece justo considerar como trabalho extraordinário.
Maria Lúcia Benhame: Sim, se o aparelho for efetivamente acessado para trabalho. O simples porte não gera direito a horas extras, a não ser que o empregado não possa sair de uma determinada zona geográfica ou da sua própria casa com o aparelho.
Essa mudança pode fomentar o número de ações trabalhistas?
Daniela Ribeiro: É possível, até porque a maioria das questões ainda não foi resolvida pela doutrina e jurisprudência. É necessário que haja uma legislação específica sobre o tema para garantir maior segurança jurídica tanto para o empregado quanto para o empregador. Por isso a importância de se pactuar, por meio de contrato escrito, as condições gerais em que será prestado o trabalho em home office, pois, enquanto a regulamentação não acontece, as controvérsias serão solucionadas no Judiciário, na medida em que os casos forem sendo colocados sob a sua tutela.
Fernando Borges Vieira: Creio que sim, pois o artigo 6º da CLT apenas introduziu a modalidade de trabalho, sem se preocupar em regulamentá-la propriamente.
Maria Lúcia Benhame: Pode, mas não vejo muitos casos de home office atualmente justamente devido à falta de possibilidade de controle do trabalho, o que desestimula as empresas a adotar a modalidade, prejudicando empregados que poderiam deixar de gastar horas na locomoção para lugares distantes de sua residência.