As tecnologias da informação, em especial as redes virtuais de comunicação, têm ajudado a construir uma nova ordem econômica, na qual o conhecimento assume papel primordial. Esse novo momento redimensiona a demanda de trabalho e afeta diretamente os trabalhadores, pela intensa concorrência que se efetiva por formas de racionalização na produção e na gestão. Segundo Peter Drucker, o impacto dessa nova economia – que apenas começa a ser sentido – está sendo gerado pela “emergência explosiva da Internet como importante canal de distribuição de bens, serviços e, surpreendentemente, empregos na área administrativa e gerencial”.
Na opinião do economista Gary Becker, uma das características da atual fase é a crescente importância que vem sendo atribuída às idéias, hoje mais valorizadas do que os ativos físicos. Nesse sentido, o diferencial de uma empresa não é mais o seu avanço tecnológico – rapidamente copiado pela concorrência –, mas a qualidade dos serviços oferecidos. E o sucesso das pessoas que prestam serviços cada vez mais depende da educação.
Observa-se que a baixa escolaridade constitui fator restritivo ao ingresso no mercado de trabalho. Segundo o DIEESE (Departamento Intersindical de Estudos Econômicos), o próprio mercado revela às pessoas que, na atual estrutura econômica, as chances de se conseguir trabalho variam de acordo com a escolaridade. Nos últimos anos tem-se verificado aumento na taxa de crescimento do emprego com maior exigência de escolaridade, até mesmo em atividades simples. Um frentista, por exemplo, tem que, no mínimo, saber operar a máquina de cartão de crédito e as bombas automáticas, além de servir aos clientes com qualidade.
Ao contrário de muitos países, o Brasil só recentemente começou a adotar medidas visando resolver antigos problemas educacionais, especialmente o alto nível de repetência e a evasão escolar no ensino fundamental. As providências tomadas resultaram em significativo aumento de matrículas no ensino médio. Segundo André Lahóz, “nos últimos cinco anos houve um crescimento de 57% nas matrículas, o equivalente a um acréscimo de quase 3 milhões de novos alunos”. Isso mostra que o ensino médio e o técnico são os grandes desafios para a educação nos próximos anos.
A exigência do mercado por trabalhadores qualificados (com níveis mediano e alto de instrução), aliada à escassez do emprego formal, vem acarretando significativas mudanças no mercado de trabalho, tais como:
mudança no perfil etário da população atualmente empregada. Ao contrário do que ocorria em momentos anteriores, a preferência atual – manifesta através da oferta de trabalho – é por trabalhadores mais velhos (e mais qualificados), em detrimento dos mais jovens, que adiam a entrada no mercado em busca de mais qualificação. (Guimarães e Campos, 1999)
tendência à redução da oferta de emprego nos setores primário e secundário da produção. O setor terciário, mais especificamente o setor de serviços, analisado separadamente do comércio, tem sido o responsável pela absorção de mão-de-obra – concentrada nos segmentos de limpeza, hospedagem e alimentação.
aumento do grau de informalidade do mercado de trabalho brasileiro, observando-se um crescimento significativo dos empregos no segmento não-organizado, em detrimento daqueles oferecidos pelo setor formal da economia. Segundo o IBGE, o setor informal empregava, em 1997, 12 milhões de brasileiros, o que corresponde a 25% dos trabalhadores urbanos, concentrados, prioritariamente, nas atividades de comércio, serviços de reparação, pessoais, domiciliares e de diversão.
ênfase na laborabilidade, em detrimento da empregabilidade na formação dos indivíduos. Ou seja, valoriza-se mais o desenvolvimento e o aprimoramento de competências e habilidades para o desempenho e a atuação profissional no mundo do trabalho, em detrimento da formação para ocupação de postos específicos no mercado de trabalho.
Esses fatores considerados globalmente repercutem na estrutura das ocupações – alguns postos de trabalho deixam de existir, enquanto outros são criados – e também sobre a qualificação dos trabalhadores. Matoso (1995) reflete sobre a insegurança gerada no mercado de trabalho, em função dos elevados índices de desemprego e das desigualdades dos indivíduos frente à situação de exclusão temporária ou permanente do mercado, e aponta outros tipos de insegurança, decorrentes dos seguintes fatores:
enxugamento de pessoal, utilização de trabalhadores eventuais e terceirização de algumas etapas do trabalho;
variações e falta de estabilidade dos rendimentos, uma vez que a flexibilização das relações de trabalho ocasiona disparidades salariais, muitas vezes no interior de uma mesma empresa;
relações contratuais de trabalho, referentes às novas formas de negociação individual em detrimento da negociação coletiva, que forçava o empresariado a assumir compromisso mais geral com os trabalhadores, de acordo com padrões socialmente aceitáveis de condições de trabalho. Decorre daí o enfraquecimento dos canais de negociação dos trabalhadores, afetando a sua participação no movimento sindical.
Alguns autores consideram esse momento da economia como conseqüência da era pós-industrial, em virtude da redução de postos de trabalho na indústria. Porém, não se pode simplesmente afirmar que os empregos do setor industrial vêm caindo, sem levar em conta que muitos trabalhos da indústria, por reestruturações organizacionais, são categorizados agora no setor de serviços. Diferentemente daquilo que ocorre em outros lugares, os serviços que crescem na região metropolitana (que concentra a maior porcentagem da PEA – População Economicamente Ativa) são aqueles originários de demandas das indústrias, tais como consultoria, publicidade, direito, design e informática. A área de informática ilustra bem o quadro de mudanças que redesenha a atividade econômica. “Segundo José Aníbal, secretário de Ciência e Tecnologia de São Paulo, o estado deve receber 75% dos investimentos de empresas de informática projetados no Brasil”
Para Castells, “o que é mais distintivo em termos históricos entre as estruturas econômicas da primeira e da segunda metade do século XX é a revolução nas tecnologias da informação e sua difusão em todas as esferas de atividade social e econômica, incluindo sua contribuição no fornecimento da infra-estrutura para a formação de uma economia global.” Por essa razão, aquele autor prefere chamar o período em foco de informacional.
Ao alterar a ênfase analítica do pós-industrialismo para o informacionalismo, Castells afirma que “é um fato óbvio que a maior parte dos empregos nas economias avançadas localiza-se no setor de serviços e que esse setor é responsável pela maior contribuição para o PNB [Produto Nacional Bruto]”. Mas ao afirmar isso, ele não quer dizer que as indústrias estejam desaparecendo ou que a estrutura e a dinâmica da atividade industrial sejam indiferentes à saúde de uma economia de serviços. Nas últimas décadas ocorreu no Brasil uma expansão dos empregos em serviços, e tal fato possibilitou a absorção de trabalhadores oriundos do setor industrial. Contudo, o setor de serviços também tem sido afetado pela reestruturação produtiva, o que acarreta uma redução no ritmo do seu crescimento e uma ampliação dos índices de desemprego. Os exemplos dessa afirmação se referem ao setor bancário e à privatização do serviço público.
Castells também confirma que, se por um lado temos um aumento na demanda por profissionais superqualificados, por outro, a sociedade abre espaço para a participação (via setor de serviços) de pessoas com baixo nível de qualificação. Segundo o autor, o prognóstico mais comum, original da teoria pós-industrial, prevê apenas a expansão das profissões ricas em informação, como os cargos de administradores, profissionais especializados e técnicos, não considerando o crescimento das profissões em serviços mais simples e não-qualificados.
A análise feita por Castells esclarece e fundamenta o levantamento feito na pesquisa “Banco de dados: trabalho e emprego através dos classificados”, onde fica evidenciado que algumas ocupações para cargos administrativos e gerenciais exigem um altíssimo grau de escolaridade, enquanto que a demanda por outras ocupações exige uma série de competências gerais, apesar de um baixo nível de escolaridade. Essas últimas ocupações, por mais que conservem o mesmo rótulo de um tempo atrás, sofreram mudança radical na natureza do trabalho exercido por seus ocupantes, apesar de a necessidade por qualificação mais ampla, em alguns casos, não estar refletida na exigência do nível de escolaridade, mas no domínio de determinadas competências.
O termo competência tem sido aplicado à educação profissional a partir das transformações ocorridas no mundo do trabalho. No entanto, não existe consenso sobre essa noção, e ela tem sido utilizada em contextos diferenciados e com significados distintos.
O modelo da competência sugere que a qualificação de um indivíduo está posta menos no seu conjunto de conhecimentos e habilidades, mas principalmente em sua “capacidade de agir, intervir, decidir em situações nem sempre previstas ou previsíveis.”
Essa capacidade implicaria a “mobilização de competências adquiridas ou construídas mediante aprendizagem, no decurso da vida ativa, tanto em situações de trabalho como fora deste.”
O modelo da competência confere grande importância aos “atributos pessoais” do trabalhador. Dentre as “qualidades pessoais” atualmente demandadas, podem ser mencionadas12:
espírito de equipe – “a necessidade do trabalho em equipe e a identificação com os objetivos da empresa constituem a base do espírito de equipe”;
responsabilidade – “refere-se ao esforço de fazer cumprir o compromisso assumido com a empresa”;
autonomia – “refere-se à capacidade do trabalhador de se antecipar aos comandos das chefias e agregar voluntariamente várias tarefas e intensificar seu próprio ritmo de trabalho”;
iniciativa – é definida como “a disposição para assumir e desenvolver um trabalho de forma espontânea e rápida”;
capacidade de comunicação – “é requerida por exigência da responsabilização grupal pela produção, de maneira a facilitar a troca de idéias e opiniões sobre um assunto até que se alcance o consenso” ;
flexibilidade – “constitui-se em uma reatualização de valores, sob a ótica empresarial; é a capacidade do trabalhador de mudar hábitos arraigados”;
cooperação – é definida como “uma disposição de trabalhar eficazmente com outras pessoas em um grupo; prontidão de oferecer espontaneamente ajuda aos outros, sem tirar proveito da situação. A identificação com os objetivos da empresa reflete uma atitude de cooperação em torno dos seus objetivos” ;
interesse e atenção – são definidos como “a vontade de dirigir os sentidos para situações de aprendizagem ou trabalho durante certo período. Referem-se, ainda, à valorização da aprendizagem no trabalho pelo operário”.
Considerando que a educação profissional entendida pelo Senac extrapola a simples correlação com o mercado de trabalho, uma vez que busca a formação do cidadão, torna-se necessário refletir sobre as conseqüências para o futuro trabalhador da adoção do modelo de educação profissional baseado em competências. Nesse sentido, assim se manifesta Paiva: “não se trata apenas de qualificar para o trabalho em si, mas de formar para a vida na qual também se insere o trabalho nem sempre como foco fundamental da existência, com uma flexibilidade e um alcance suficientes para que se possa enfrentar o emprego, o desemprego e o auto-emprego” – de modo a “permitir rápidas reconversões e reprofissionalizações ao longo da vida”.
Compreendido na perspectiva apontada por Paiva, o modelo das competências, no âmbito das instituições que atuam no campo da educação profissional, favorece uma articulação do mundo do trabalho com as diversas questões presentes na sociedade – a questão do meio ambiente, por exemplo –, de maneira a promover a construção da cidadania.
O ganho – e também o desafio – é educar o trabalhador, no sentido de atuar de modo participativo e ativo dentro e fora do mundo do trabalho, como profissional e, também, na condição de cidadão consciente de seus direitos e responsabilidades e dos valores humanos que devem reger a vida em sociedade.